Storytelling: como contamos história

storytelling como contamos histórias
Photo by Peter John Manlapig on Unsplash

O formato do nosso Podcast é storytelling, ou “contação de causo” em bom português.

“Como vocês fazem pra contar essas histórias?”

Sempre ouvimos essa pergunta e suas variações desde que começamos o nosso podcast Baseado em Fatos Surreais. Há 3 anos decidimos usar o storytelling pra compartilhar histórias de mulheres com empatia, intimidade e leveza. Nós queremos mostrar que somos plurais, mas não especialistas. Por isso, tratamos as histórias sob a ótica do entretenimento.

Paixão e propósito

O primeiro passo pra contar as histórias é ter amor por elas.

Resumindo com essa frase que nem minha é: sem tesão não há solução! Não tem projeto que aguente… Se você quiser descobrir pelo que você sente paixão, segue essas dicas aqui.

Nós somos apaixonadas por histórias, ouvir e contar, e por isso queríamos manter a essência delas, queríamos transmitir no programa todos os sentimentos das “Heroínas” como chamamos as ouvintes que enviam seus relatos. Então criamos um formato híbrido que é documental e ficcional ao mesmo tempo, roteirizado e improvisado.

Fundamental também é o seu propósito: O que você quer fazer com esse amor por histórias? 

Conexão emocional através da arte de contar histórias.

storytelling como contamos histórias
relato de uma ouvinte no instagram no @bfsurreais

Esse é o nosso propósito. Ele vai além do podcast, pois também ministramos cursos onde usamos a metodologia do BFS pra trabalhar novos comportamentos — de bullying em escolas à diversidade e assédio em ambientes corporativos. Também queremos mais pessoas conectadas com o próprio podcast e abordamos o storytelling e a criatividade em nossas oficinas. As próximas são em novembro em BH dia 28 e São Paulo dia 29.

Como funciona o programa:

No podcast, mulheres podem mandar suas próprias histórias surreais em texto ou áudio pro nosso email bfsurreais@gmail.com para serem contadas em primeira pessoa com empatia, intimidade e leveza. Quem vai contar são nossas convidadas ou eu Sheylli Caleffi e a Marcela Ponce de Leon que criamos o programa justamente pra isso: trocar histórias de vida de mulheres sem julgamento mostrando que somos cada uma um universo!

storytelling histórias
Photo by Hazzel Silva on Unsplash

Briefing

Primeiro, deixamos muito claro o objetivo do programa e que tipo de histórias estamos buscando.

Tem que ser aquela história surreal… Mas o que isso significa? Aquela história que você viveu e parece inacreditável, que você só conta quando bebe um pouco, que você tem vergonha ou até receio de contar porque acha que ninguém vai acreditar, aquela que marcou um momento da sua vida. Isso é fundamental pra que a mágica aconteça.

Identificação

Depois que as histórias chegam, nós lemos (ou ouvimos) e ficamos sempre impressionadas com a maioria delas, nos colocando no lugar de quem enviou.

Buscamos nos conectar com os sentimentos da pessoa no momento em que ela viveu os fatos, despertando em nós esses mesmos sentimentos: alegria, desespero, tristeza, ódio, raiva, inveja, dor, compaixão, medo, pânico… tudo. Já teve episódio que paramos de gravar no meio por ataque de riso e por ataque de choro!

Seleção da história e respeito

Nosso formato é o storytelling e nosso material base são as histórias. Mas é impossível hoje contarmos todas as histórias que recebemos, então a seleção do que vai pro ar tem a ver com o conteúdo da história. Já a ordem dos episódios é pensada usando a lógica da temporada, que no nosso caso são os episódios do mês. Sempre evitamos colocar episódios muito parecidos em sequência. Também buscamos episódios que não reforcem padrões machistas ou preconceituosos de qualquer natureza. E quando isso ocorre — porque estamos todas imersas nessa cultura — sempre mostramos de forma leve e respeitosa, que aquele é um ponto de vista e existem outros.

Sempre respeitamos muito a história e a dona da história mesmo contando de forma anônima. Não estamos aqui pra questionar a vida delas, se aconteceu assim pra ela, essa é a verdade daquela pessoa.

Audiência e primeiro ouvinte

Como queremos mostrar a pluralidade das mulheres para que se sintam mais acolhidas, precisamos garantir que abordamos histórias de pessoas e conteúdos muito distintos entre si. Algo que ensinamos aos nossos alunos na Oficina de Podcast na prática é identificar o “primeiro ouvinte” e imaginá-lo em detalhes. Mantenha essa pergunta em mente: Que pessoa se interessaria por esse podcast e por que?

Coragem pra abordar assuntos delicados

Quem trabalha com podcast de storytelling sabe que histórias pessoais podem ter uma carga emocional muito intensa. Isso precisa ser considerado durante todo o processo. A pessoa que envia a história está se reconectando com os fatos na hora que escreve e isso por si só já é um momento de transformação. Ouvir a história no mundo é outro momento chave que pode transformar a relação dessa pessoa com seu passado e até mesmo com seu presente — temos muitos relatos assim. Por isso é necessário coragem pra falar do que não se fala, como morte, estupro, aborto, tesão, traição, descobertas sexuais, encontros…

Experiência e ferramentas pra fazer isso com leveza

Aqui é um ponto de atenção. Trazer leveza pra assuntos sérios é uma arte e um equilíbrio delicado. Não adianta apenas entender e dominar as técnicas de storytelling, é importante ter inteligência emocional para ouvir a história sem se misturar, você precisa se conectar com a história que foi enviada e também entender que tem uma história de vida das pessoas que estão escutando. Não é sobre técnicas de storytelling, por mais que ela passe um pouco por isso. Contar histórias e envolver a audiência são importantes, assim como uma estratégia narrativa mas esses chamados soft skills (a empatia, a inteligência emocional) são fundamentais.

E mesmo usando tudo isso, você vai errar. Por que produzir conteúdo pra internet é um desafio diário e tem também a interação com a audiência. E é importante saber também como lidar com esse erro. Para lidar com esses erros e com os feedbacks que você vai receber recomendo muito a Comunicação Não Violenta como estratégia de construção e relacionamento.

Eu dou aulas de comunicação há anos, inclusive em faculdades de Teatro e Cinema. Recentemente realizamos no Seminário de Podcast do Espirito Santo uma palestra focada em produtores de conteúdo chamada “Compartilhando Fracassos — como errar mais rápido e melhor”.

Roteirização e improviso

Então na hora da gravação nós recontamos essa mesma história sem ler, sem roteirizar. Às vezes, anotamos alguns detalhes que nos parecem mais relevantes pra uma boa história. Itens de storytelling mesmo: pontos de virada, tensões, clímax, características das personagens, antagonismos, aliados… mas não existe um roteiro formal além da história original enviada por email. Ou seja, na hora de gravar é improviso.

Podcast BFS Marcela Ponce de Leon e Sheylli Caleffi

Por isso chamamos o programa de Baseado em Fatos Surreais, porque nós nos baseamos nas histórias, não necessariamente elas aconteceram exatamente como contamos.

Direção e técnica para storytelling

Por que essa escolha?

Pra trazer alma pro áudio. Precisamos nos identificar com as personagens buscando dentro da gente aquilo que ela sentiu. Muitas vezes, eu não vivi o que a heroína viveu. Eu preciso emprestar o meu coração, a minha habilidade de compreender um ser humano, para contar a história e honrar o motivo dela de mandar a história pra gente. Não é fácil. É um trabalhão.

E um roteiro nessa hora pode atrapalhar essa nossa conexão emocional com a história que vai gerar a conexão emocional com quem ouve. Nós realmente estamos ali integralmente, doando a nossa vida pra essa história e essa mulher que se transforma em uma de nossas personagens.

Então o momento da gravação é inspirado na história enviada, mas muito mais nos sentimentos que ela evoca.

Na hora de gravar, uma dirige a outra. Quem conta a história está focada e a outra está conduzindo a narrativa. Às vezes as duas já leram a história antes, às vezes não. Essa escolha depende do conteúdo. Se ele precisa de mais raciocínio e construção, trabalhamos juntas antecipadamente. Se ele precisa de um susto em quem está ouvindo, às vezes funciona melhor dar o susto mesmo.

Formato e estrutura do nosso storytelling

Pra manter o ambiente de improviso, sempre colocamos uma “amiga”, uma outra mulher na cena. As histórias que recebemos são sempre relatos de uma única pessoa para nós, sem interlocutor interferindo. Já no podcast nós contamos para alguém que está presente. Geralmente eu conto pra Marcela ou ela pra mim quando não temos convidadas. E isso anima a gravação e traz mais verdade pra história porque muitas vezes a Marcela me pergunta algo que a heroína não contou na história original. Algo que ela teve de curiosidade no momento. E eu preciso, então, inventar essa informação inspirada no que eu compreendi da personagem do jeito dela ver o mundo no texto ou áudio que recebemos.

Particularmente eu amo esses momentos porque adoro improvisar. Minha formação é como atriz e diretora de teatro.

Então temos essa história surreal enviada por uma mulher na qual nos inspiramos pra gravar os episódios com uma dose de improviso, que vem da interação no momento presente entre as participantes e nos mantém atentas e vivas, como se aquilo estivesse acontecendo naquele momento mesmo. Como se aquela história estivesse sendo contada pela primeira vez para as pessoas presentes.

O objetivo de gerar entretenimento nos ajuda a escolher onde carregamos as tintas na história. Queremos que as pessoas se divirtam escutando, por mais difícil que seja o momento que estamos contando/vivendo ali.

É por tudo isso que muita gente acredita que é tudo roteirizado e ensaiado, mas não. O que nos guia é uma boa estrutura, um propósito parrudo e a nossa intuição, fazemos um conteúdo que a gente gosta de consumir. A gente se empolga com as histórias… Se irrita, se apaixona, junto com as maravilhosas mulheres que nos mandam elas.

Storytelling com convidadas

Uma maneira de trazer pluralidade é quando convidamos outras mulheres e até homens (edição especial) para contar as histórias das heroínas. Aqui nosso critério é achar a pessoa bacana e acreditar que ela terá a empatia necessária pra conseguir contar com o coração. Isso fica evidente na maneira com que a pessoa responde o convite. Temos episódios maravilhosos contados por pessoas que admiramos muito e que queremos apresentar às nossas ouvintes.

Discussão plural e personalidades

No final de cada episódio, nós comentamos a história contada, lembrando de histórias nossas e trazendo nossa opinião pro jogo. Aqui é importante pensar na dinâmica da dupla, eu e a Marcela temos personalidades complementares e sobre isso já escrevi um texto bem legal, é a estratégia do Pink e do Cérebro.

Intimidade e vulnerabilidade

Compartilhamos nossas próprias histórias e visões de mundo a cada episódio. Nessa hora, também é importante pensar no contraponto: em opiniões divergentes sobre o tema. O que é fácil no nosso caso, já que não somos de concordar muito! kkkkkk

Storytelling: Qual o segredo de uma boa história?

Hoje muito se fala em técnicas de storytelling. Mas qual o segredo de uma história boa? Que ela seja uma boa história pra você. Crie uma história que você gostaria de ouvir e não que gostaria de criar. Tem diferença!

Você não vai agradar a todo mundo e nem precisa. Ser o seu primeiro ouvinte trará uma verdade pro seu conteúdo que pode ultrapassar barreiras e chegar em lugares que você nunca imaginou.

Hoje nós conectamos pessoas de todo o mundo através de histórias de vida. Muitas se sentem menos sozinhas e mais compreendidas. Algumas se conheceram na vida real pra trocar experiências, outras contaram pra gente suas histórias pela primeira vez, com a introdução: “vou contar minha história pra vocês pela primeira vez porque sei que não serei julgada”

Outras nos mandaram relatos de como foi importante escrever suas histórias pra mandar, que isso foi revelador e várias heroínas revelaram que ouvir suas histórias no programa as fez ressignificar o passado.

Enfim, muitas coisas nós previmos e outras não, mas sabemos que nossa vontade sincera de conhecer essas vidas e histórias é o que constrói a cada dia o Baseado em Fatos Surreais. É assim que contamos essa histórias.

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